quinta-feira, abril 26, 2007

70 anos de Guernica

No dia 26 de Abril de 1937, a cidade espanhola de Guernica era cruelmente bombardeada pela Legião Condor da Luftwaffe, a força aérea nazista. Na época, morando em Paris, o pintor espanhol Pablo Picasso ficaria tão arrasado com a notícia que decidira revidar com arte a violência, retratando em preto e branco o sofrimento daquele povo.

Interessante notar que tamanha dor ao longo dos séculos inspira inúmeras obras-primas. Seria possível a um artista criar uma obra-prima sem sofrimento? Ou é preciso sempre doer para que haja uma bela criação?

Picasso teria dito na época, em referência ao papel engajado de sua arte: "La pintura no está hecha para decorar las habitaciones. Es un instrumento de guerra ofensivo y defensivo contra el enemigo."

Mas um único episódio resume tudo. "Foi o senhor quem fez isso?", havia perguntado um embaixador alemão a Picasso em Paris, durante a Segunda Guerra Mundial, diante de uma foto do quadro de Guernica. Ao que Picasso impecavelmente responde: "Não, foram vocês".

A guerra e dor marcaram, mas no fim venceu a arte.

Thiago Mattos.

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quarta-feira, abril 25, 2007

"Oh Captain, my Captain"

Ontem, o presidente Lula lançou em Brasília o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), reconhecendo o Brasil como um dos piores países na área e propondo elevá-lo à condição de um melhores. Longo caminho, ahn?

Não é preciso muito esforço para constatarmos que somos mal-educados (em ambos os sentidos) e precisamos urgentemente de instrução de qualidade. A melhoria da educação brasileira é condição sine qua non para que nossos cidadãos tenham uma vida melhor e melhores salários, saibam ponderar suas escolhas, sejam esclarecidos quanto ao que se passa no mundo para poder modificá-lo e disponham do mínimo de senso crítico.

Uma educação melhor também precisa de mais que bons números na estatística. Envolve qualificação e pagamento apropriado aos profissionais da área; financiamento dos estudantes carentes com livros, transporte e alimentação; uma decente infra-estrutura escolar com laboratórios, quadras e o que mais possa envolver os alunos; exige muita determinação e vontade política na transparência com os gastos do Plano.

Do jeito que ia nossa educação, qualquer proposta de melhora chegaria muito bem-vinda, concordam intelectuais e analfabetos. Agora, é ver para crer.

Thiago Mattos.

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quinta-feira, abril 19, 2007

A cultura da violência (da Virgínia ao Catumbi)

Quarta-feira, meio-dia. Um helicóptero preto da Polícia Civil dá rasantes no morro do Pavão-Pavãozinho, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Os barulhos da hélice me trazem o pensamento para a possibilidade do início de mais um tiroteio no morro. Concentrar-se em escrever um texto é difícil. Espero o dia seguinte.

No cemitério do Catumbi, os velórios haviam sido suspensos. Velar um morto por lá ainda pode matar. Pois mesmo que esse pedaço do Rio de Janeiro não seja Zona Sul, Centro ou Zona Norte, é certo um lugar onde não há muita paz por aqui.

Nosso cotidiano carioca que mistura alegria, suor e tragédia quase não pode mais se espantar com a cor do sangue nem com a razão porque ele jorra dos corpos de nossos mortos.

De manhã, uma manifestação pela paz colocou 1.300 rosas num ponto da praia de Copacabana para nos lembrar quantos já morreram nesta guerra financiada pela indústria da violência tupiniquim. As rosas e o sangue têm a mesma cor, mas isso pouco importa para quem morre.

Pelo Brasil adentro brotam tantos exemplos de tragédias cotidianas que um massacre como o de Virginia Tech não pode mais nos chocar. No máximo, um pequeno susto.

Apesar da diferença em como se mata lá e aqui, chama a atenção no caso da Virgínia a frieza de um assassinato em massa onde os que ficaram não podem dirigir a raiva a alguém, já que o único suspeito está morto. Haveria ainda alguma justiça a ser feita? Como?

Mesmo que surjam vídeos, fotos ou cartas, nunca saberemos a ‘verdade verdadeira’ de uma tragédia que massacra os espectadores do mundo inteiro contra o mais novo inimigo público dos EUA: um coreano, ainda que do sul da Coréia.

Apesar de todo o sangue derramado e da surpresa em relação ao que nos lembra o que outra hora se chamou Columbine – ou tantos outros nomes de escolas nos EUA assoladas pelo mesmo mal – sabemos como poucos sobre assassinatos em massa, sejam eles cometidos por loucos ou não, com ou sem uniforme, legitimados ou não pelo aparelho repressivo do Estado.

Não precisamos de um assassino no cinema, nem de uma menina que mata os pais e tem nome alemão. Pouco precisamos de psicopatas. Nossas instituições cuidam para que essa indústria da violência siga matando em endereço certo aos nossos próprios inimigos públicos: nossos pobres.

A tragédia de mortes banalizadas que choca o mundo e é para nós uma dura realidade ainda custará muitas rosas.

Thiago Mattos.

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segunda-feira, abril 16, 2007

Como se chamará a próxima operação?


Apesar dos nomes engraçados (quiçá também por isso), as operações que a Polícia Federal (PF) vem realizando merecem atenção. A última delas, chamada sabe-se lá porque de Hurricane em inglês e não de Furacão em português, prendeu peixes graúdos da contravenção e tocou num ponto que há muito se fala e pouco se comenta: como se vencem os títulos das Escolas de Samba e a ligação destas com o mecenato do Jogo do Bicho.

Como foi dito, “há fortes indícios” de que o resultado do carnaval carioca tenha sido comprado em negociação entre o patrono da Beija-Flor e o presidente da Liga das Escolas de Samba (Liesa). Muita surpresa?

A recente operação da PF que descobriu paredes falsas cheias de dinheiro e nos relembrou o poder do Jogo do Bicho, comprometeu figuras como magistrados, empresários, policiais civis e federais, advogados e até mesmo um membro do Ministério Público Federal (MPF), revelando os tentáculos de uma organização que interfere nos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Mas fica uma pergunta no ar, queridos leitores: os resultados anteriores de outros carnavais também teriam sido comprados ou isso é uma novidade deste ano?

Jogo do Bicho e Carnaval (e mesmo até alguns clubes de futebol) sempre andaram lado a lado. Não sabemos quanto tempo ficarão presas pessoas tão influentes e com tanto poder. De qualquer forma, os questionamentos estão lançados, envolvendo um jogo tão habitual e aparentemente ingênuo da nossa realidade e uma tradição ritualística do mês de fevereiro que determina todo o nosso ano.

Pelo visto, o Carnaval não é mais o mesmo. Ou talvez nunca tenha sido como nós pensávamos. Mas os nomes das operações da PF continuam se superando.

Thiago Mattos.

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quinta-feira, abril 12, 2007

Ninguém é racista no Brasil

Existe uma sutil diferença entre racismo nos EUA e o no Brasil: lá eles encaram o problema de frente, discutem-no e, conseqüentemente, os direitos dos negros são mais resguardados. O recente episódio Don Imus (onde um conceituado apresentador de rádio da CBS fez um comentário racista sobre um time universitário de basquete feminino, sendo execrado e boicotado por toda aquela sociedade) mostrou bem isso.

Aqui no Brasil, não há racistas – ninguém admite o contrário – e fica a (falsa) impressão de que, portanto, não há racismo no Brasil. Ledo engano. O Brasil é o país mais racista do mundo e a insistência amplamente divulgada de que nesta terra não há racismo é cada vez mais preocupante. Atua a favor desse horrendo ideal de igualdade para os desiguais a mídia corporativista, que precisa vender seus produtos e arrebanhar mais consumidores.

Dando início ao debate sobre o tema, publico aqui um texto do Veríssimo que saiu n’O Globo, no dia 1 de abril deste ano. Mesmo para quem já o leu, vale a pena ler de novo.

Thiago Mattos.

RACISMOS
(Luiz Fernando Veríssimo)


Preconceito racial e discriminação racial são coisas diferentes.

O preconceito é um sentimento, fruto de condicionamento cultural ou de uma deformação mental, mas sempre uma coisa pessoal, quase sempre incorrigível. Não se legisla sobre sentimentos, não se muda um hábito de pensamento ou uma convicção herdada por decreto.

Já a discriminação racial é o preconceito determinando atitudes, políticas, oportunidades e direitos, o convívio social e o econômico. Não se pode coagir ninguém a gostar de quem não gosta, mas qualquer sociedade democrática, para não desmentir o nome, deve combater a discriminação por todos os meios – inclusive a coação.

Não concordo com quem diz que uma política de cotas para negros no estudo superior é discriminação ao contrário, ou uma forma de paternalismo condescendente tão aviltante quanto a discriminação.

É coação, certo, mas para tentar corrigir um dos desequilíbrios que persistem na sociedade brasileira, o que reflete na educação a desigualdade de oportunidades de brancos e negros em todos os setores, mal disfarçada pela velha conversa da harmonia racial tão nossa. As cotas seriam irrealistas? Melhor igualdade artificial do que igualdade nenhuma.

Agora mesmo caíram em cima de quem disse – numa frase obviamente arrancada do contexto – que racismo de negro contra branco é justificável.

Nenhum racismo é justificável, mas o ressentimento dos negros é. Construiu-se durante todos os anos em que a última nação do mundo a acabar com a escravatura continuou na prática o que tinha abolido no papel. Não se esperava que o preconceito acabasse com o decreto da abolição, mas mais de 100 anos deveriam ter sido mais que suficientes para que a discriminação diminuísse.

Não diminuiu.

Igualar racismo de negro com racismo de branco não resiste a um teste elementar. O negro pode dizer – distinguindo com nitidez preconceito de discriminação – “Não precisa me amar, só me dê meus direitos”. Qual a frase mais próxima disso que um branco poderia dizer, sem provocar risos? “Não precisa me amar, só tenha paciência” “Me ame, apesar de tudo”? Pouco convincente.

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