quarta-feira, abril 30, 2008

Innocent Project

27 anos após ter sido preso acusado de violentar e estrangular sua noiva, James Lee Woodward finalmente foi inocentado graças às provas obtidas através de exames de DNA, e graças também a Innocent Project – organização sediada em Nova York e especializada nesse tipo de caso.

O cidadão texano de 55 anos havia esgotado todas as possibilidades de recorrer. Em 1981, a Corte de Dallas o condenou baseado nas declarações de duas testemunhas. Agora, 27 anos depois, duas provas distintas de DNA puderam enfim provar a inocência que ele clamava desde o primeiro dia.

Woodward é a típica vítima dos erros judiciais (e não somente) nos EUA: é negro. Essa não foi a primeira vez que este tipo de situação ocorreu. É a 18ª somente em Dallas. E o que chama mesmo a atenção desta vez é o longo tempo de espera – 27 anos – o maior tempo em que um prisoneiro erroneamente condenado já passou. Um tempo irrecuperável.

Em outro caso semelhante, Thomas McGowan foi recentemente libertado também com base em exames de DNA, após passar 23 anos na prisão.

Que o sistema prisional do Texas (especialmente) está com problemas sérios, isto é fato. Em todo o estado, mais de 30 pessoas condenadas com o mesmo perfil já foram absolvidas com base no mesmo tipo de provas.

O advento do DNA como prova tem ajudado enormemente na resolução de casos judiciais complicados, mas não podemos fechar os olhos para a questão racial presente em cada uma delas. Errar tantas vezes da mesma forma não pode ser uma infeliz coincidência. E não é.

A notícia do erro judicial vem do Texas, mas todos sabemos que poderia muito bem ter vindo do Brasil. Principalmente por não termos ainda nenhum Innocent Project. Por enquanto, nosso único projeto tem sido matar ou prender.

Thiago Mattos.

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segunda-feira, abril 28, 2008

Fala, meu povo! (matando a cobra e mostrando o pau)

Declarações inusitadas ouvidas acidentalmente de manhã, de um programa de TV:



"Nunca aconteceu isso nesse bairro aqui..."
(De uma paulista entusiasmada e sorridente pela oportunidade de dar uma entrevista)

"A atração do fim de semana foi essa"
(De um outro que foi com toda a família visitar o local do crime)

"Eles estão montando palanque como se fosse carnaval"
(De uma moradora, revoltada com a muvuca em seu bairro)

"Eu sou de Ponte Nova, MG. Andei 850 Km pra mostrar a indignação do país nesse caso tão monstruoso... Sai de casa sexta-feira e estou aqui sem dormir até agora [Domingo], me alimentando muito mal e ficando na cruz numa faixa de 10, 11 horas por dia"
(De um penitente mineiro que usava uma máscara e carregava nas costas uma cruz com fotos da família Nardoni, pedindo justiça)

"Minha imagem vai ser mais aqui embaixo... Na portaria... Na queda da Isabella..."
(De um cinegrafista contando o que filmará na reconstituição do crime. No caso, referia-se à boneca de R$18 mil que seria jogada pela Perícia, simulando o assassinato)

"Diz que tem um apartamento que cobrou 15 mil. A escolinha parece que cobrou 10 mil, coisa assim"
(De um morador especulando sobre o aluguel cobrado pela vizinhança à imprensa para lugares estratégicos)

"Se eu soubesse eu podia ter alugado, porque do meu apartamento eu enxergo direitinho o quarto"
(De um morador sorridente, mas frustrado pela ignorância e triste pela oportunidade perdida)

"As emissoras de TV começaram a me procurar querendo emprestrar [sic] minha sacada. Eu falei 'não', que seria um absurdo, que isso ia me trazer problemas, e elas resolveram me fazer um proposta: 'vamos alugar então, a gente paga e você nos cede o espaço'..."
(Da proprietária de uma salão de beleza próximo à Delegacia onde se concentram as investigações do caso, que mudou rapidinho de idéia, declarando ganhar em torno de R$ 1.500 como aluguel)

"4 na sacada e 3 na laje"
(Da mesma pessoa anterior, respondendo a quantas emissoras havia recebido no estabelecimento)

"Nós pegamos uma amizade e quando vocês forem embora, a gente vai sentir saudades"
(Da mesma proprietária, que certamente sentirá falta do dinheirinho extra)

"Domingo é um dia tão vazio, né? Geralmente a gente não tem nada mesmo pra fazer..."
(De um entediado cidadão respondendo por que foi assistir à reconstituição do crime)

Enfim, cada povo com o que merece, certo?

Thiago Mattos.

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quarta-feira, abril 23, 2008

Seria cômico se não fosse trágico (o metrô de SP)


A semelhança com a realidade paulistana não é mera coincidência. Por isso, não pude deixar de reproduzir aqui o vídeo acima com imagens do sufoco que é o metrô de Tokyo - onde os funcionários espremem o quanto podem as sardinhas enlatadas que são os passageiros.

Uma sutil diferença entretanto chama a atenção: a extensão do metrô de Tokyo quase chega aos 290km, enquanto o metrô de SP possui apenas pouco mais de 60km. Além disso, algumas linhas chegam a comportar 9 pessoas por metro quadrado em horários de pico - em São Paulo, é claro.

Fazendo a conta com o número de usuários (10 milhões de passageiros por km em SP; 8,3 milhões/km em Tokyo) em relação ao tamanho da malha de cada um, adivinha qual metrô é o mais apertado... Precisa responder?

Em São Paulo, os vagões incham na mesma medida em que crescem os engarrafamentos dos carros lá em cima, nas ruas da cidade. Sem falar do atraso e das brigas crescentes entre passageiros, que às vezes brigam pelo simples direito de pisar no chão.

Alguns chegam a culpar a parcela da população que passou a utilizar o metrô a partir do sistema de integração com os ônibus, permitido pelo Bilhete Único. Mas será que conseguir um bode expiatório resolve o problema sufocante? A quem vão culpar pelos terríveis engarrafamentos da cidade? Aos pobres coitados que passaram a poder comprar um carro?

Seria cômico se não fosse trágico, alguém diria. Mas assim é São Paulo.

Thiago Mattos.

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sexta-feira, abril 18, 2008

"Nada do que é humano me é estranho"

Somos todos espectadores vorazes e assistimos condicionados e famintos por mais notícias. Esqueçam o trânsito, a dengue, as bolsas de valores e o Tibet! O circo está armado e estamos ligados no Caso da Menina Isabela.

Assistimos seu corpo sendo devorado pelas emissoras de televisão que montaram seus palcos e buscam exclusividade até no último peido que a Menina soltou. Não estranhem se em pouco tempo forem lançadas bonecas Menina Isabela ou coisas do tipo (“nada do que é humano me é estranho”, lembram?).

O que está acontecendo é terrível e, por ser encarado como normal, quase ninguém estranha. Não, não estou aqui para dizer minha teoria mirabolante-indefectível, nem apontar os culpados, pois isso é o que mais fazem por aí. Estou aqui para discutir a influência da atitude canibal dos nossos meios de comunicação frente à tragédia do mês (ou será que já esqueceram a do mês passado?).

É claro que nos choca que uma menina de 6 anos incompletos tenha sido assassinada, principalmente do modo como foi. Mas a superexposição, as tantas especulações, a proposital falta de assunto – que torna banal qualquer outra notícia – os furos de reportagem, as entrevistas exclusivas, enfim, o espetáculo que se armou em torno disso tem sido uma barbaridade à altura da outra. E no meio de tantos malucos não há qualquer sanidade.

Estamos expostos a um jornalismo doente, que contagia seus consumidores e os insere numa roda vida de terror, tragédia, violência e medo sem saída. O clima de linchamento nacional, a incitação subjetiva à justiça com as próprias mãos, a repetição das imagens over and over again são artifícios para vender e ganhar ibope que deixa doente a quem assiste a tudo na condição de espectador.

Como homem, e diante de tal fato, reconheço: muito do que é humano é bem estranho sim e, como seres humanos, devemos estranhar nossa própria condição animalesca que tem sido aguçada, que se delicia e quer porque quer ver mais sangue.

Dica: não se deixem contaminar. Troquem logo de canal.

Thiago Mattos.

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