sexta-feira, abril 18, 2008

"Nada do que é humano me é estranho"

Somos todos espectadores vorazes e assistimos condicionados e famintos por mais notícias. Esqueçam o trânsito, a dengue, as bolsas de valores e o Tibet! O circo está armado e estamos ligados no Caso da Menina Isabela.

Assistimos seu corpo sendo devorado pelas emissoras de televisão que montaram seus palcos e buscam exclusividade até no último peido que a Menina soltou. Não estranhem se em pouco tempo forem lançadas bonecas Menina Isabela ou coisas do tipo (“nada do que é humano me é estranho”, lembram?).

O que está acontecendo é terrível e, por ser encarado como normal, quase ninguém estranha. Não, não estou aqui para dizer minha teoria mirabolante-indefectível, nem apontar os culpados, pois isso é o que mais fazem por aí. Estou aqui para discutir a influência da atitude canibal dos nossos meios de comunicação frente à tragédia do mês (ou será que já esqueceram a do mês passado?).

É claro que nos choca que uma menina de 6 anos incompletos tenha sido assassinada, principalmente do modo como foi. Mas a superexposição, as tantas especulações, a proposital falta de assunto – que torna banal qualquer outra notícia – os furos de reportagem, as entrevistas exclusivas, enfim, o espetáculo que se armou em torno disso tem sido uma barbaridade à altura da outra. E no meio de tantos malucos não há qualquer sanidade.

Estamos expostos a um jornalismo doente, que contagia seus consumidores e os insere numa roda vida de terror, tragédia, violência e medo sem saída. O clima de linchamento nacional, a incitação subjetiva à justiça com as próprias mãos, a repetição das imagens over and over again são artifícios para vender e ganhar ibope que deixa doente a quem assiste a tudo na condição de espectador.

Como homem, e diante de tal fato, reconheço: muito do que é humano é bem estranho sim e, como seres humanos, devemos estranhar nossa própria condição animalesca que tem sido aguçada, que se delicia e quer porque quer ver mais sangue.

Dica: não se deixem contaminar. Troquem logo de canal.

Thiago Mattos.

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5 Comments:

Blogger Bruno said...

Concordo. Por mais absurdo que tenha sido o caso, a cobertura "jornalística" já transcendeu, e muito, o limite do que deveria ser aceitável. Assim como no caso do João Gabriel, há um tempo atrás.

Mas não estou certo de qual seja a causa e qual seja a consequência. É só você ver um acidente qualquer na rua. Quantas pessoas se acotovelam pra observar o que aconteceu, pra ver uma fratura exposta ou um cadáver ensanguentado? Não tenho certeza se é o jornalismo que contagia os consumidores ou se são os consumidores (pelo menos na sua maioria) que clamam por essa situação.

E, realmente, nessas horas também acho que algumas coisas que são humanas me estranham.


Abraço

2:34 PM  
Blogger Carlos de Castro said...

Esse caso como o de Madeleine e O.J.Simpson mostra mais uma vez como a massa pode ser manipulada se vc dispõe dos meios adequados e como é aterradora a banalização do mal. Abração

8:44 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Não dá mesmo pra ignorar a sensação de que todos estamos assistindo a um reality show, ou ainda tentando descobrir quem matou Odete Roitman.

De tanto ver TV chega uma hora em que fica difícil distinguir a ficção da realidade.

1:43 PM  
Blogger Seu Cuca said...

:-)

A arte definitivamente não é mais páreo para a realidade.

Abraço.

9:51 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ótimo texto. Às vezes parecemos urubus sedentos por carniça.
A nós cabe a escolha do que queremos para a nossa vida... Se desejamos acordar e dormir com notícias escabrosas (que podem inculcar a idéia de que o mundo acabou e você é o único sobrevivente) ou impedir que o 'mal' ( com toque de 'glamour' da mídia ) se propague.

5:40 PM  

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