sábado, outubro 27, 2007

Mentes doentias, idéias perigosas

As recentes declarações do governador Sérgio Cabral Filho acerca da legalização do aborto como forma de conter a violência revelam o retrato das mentes que nos governam e das que querem nos governar, refletindo um raciocínio simplista e preconceituoso, que facilmente conquista simpatizantes.

Segundo esta lógica, pobre tem filho demais, o que gera ainda mais pobreza, que, por sua vez, gera violência. Desta forma, a legalização do aborto diminuiria o número de filhos indesejados, que teriam maior chance de se envolverem no crime, o que por sua vez, diminuiria a violência.

O fio condutor deste pensamento tem origem no livro Freakonomics, de Steven Levitt e Stephen J. Dubner, onde é divulgada a idéia de que a redução da violência nos Estados Unidos, no final do século passado, pode ser atribuída na sua maior parte à legalização do aborto.

Pura falácia – o estudo não leva em conta outros fatores, como a presença do crack na época, além de se basear em números absolutos de detenções, e não em médias per capita.

Seria muito mais conveniente à nossa realidade tomar como base dados do IBGE, que mostram a relação entre a alta fecundidade e a baixa educação e a renda; assim poderíamos adotar políticas públicas de informação e formação a quem precisa. Mas não, além do impulso ao plágio de modelos estrangeiros sem atentar para nossas especificidades, é mais fácil querer castrar todo mundo (como sugeriu um ser humano que não faria falta a ninguém), ligar as trompas de todas as “fábricas de produzir marginal” (frase do nosso governador), ou partir mesmo para o aborto das mulheres pobres.

A questão aqui em jogo não é a legalização do aborto – que deve ser discutida sim – mas a clara referência à eugenia. As mulheres pobres estão sendo pegas como bodes expiatórios de um problema social que envolve muito mais que uma simplificação preconceituosa de que o aborto diminui a criminalidade – até porque não podemos aceitar o pressuposto de que o crime vem apenas dos pobres.

Se fosse assim já teríamos a solução para os problemas da corrupção no Brasil: mães ou esposas de corruptos deveriam abortar ou serem esterelizadas a fim de conter o mal, principalmente na região do Maranhão, onde a média de filhos atinge 3,2 por mulher.

É preciso enxergar o perigo neste discurso que não tem nada de ingênuo, que é o da limpeza social. É preciso entender as raízes do problema ao invés de simplificá-lo, para que assim as mulheres possam ter o direito da escolha e do planejamento responsável.

Thiago Mattos.

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10 Comments:

Blogger Sangue de Barata said...

Não pude deixar de ser surpreendido quando li esta infame declaração do colunista da Veja, Reinaldo Azevedo, em seu blog:

Vamos trocar o AR-15 pelo oboé

Com a colaboração de um leitor, dou seqüência à minha proposta de castração dos pobres e incentivo ao canto lírico. A medida teria efeitos secundários interessantes: em vez de as câmeras ocultas flagrarem o desfile AR-15 e Uzis, veríamos os pretos das favelas carregando violinos, violoncelos e oboés. O chefe a ser reverenciado no morro não seria o que dominasse as bocas de fumo, mas o que conseguisse comprar um Steinway. O governo brasileiro doaria um Stradivarius para a CUFA (Central Única das Favelas). Em vez do AfroReggae, o AfroMozart. Quando Regina Casé quisesse tratar da cultura da periferia, teria de participar de festas em prédios da Vieira Souto, no Rio, ou de Higienópolis, em São Paulo.

Como pode uma pessoa como esta ter tanto espaço num veículo de comunicação (q nem é + uma revista, mas um panfleto político)? Sua amizade com a outra anta, Diogo Mainardi, realmente lhe rende insuperáveis constatações... Eles se merecem... Pena que muita gente ainda os leva a sério.

Bem, quanto ao Cabral Filho: que comentário foi esse?!? Como disse o ribimbocadaparafuseta, segundo a proposta do governador, importantes compositores e artistas vindos do morro, cheios de irmãos, não teriam nascido e teriam ido diretamente ao crime. Francamente...

4:17 PM  
Anonymous Anônimo said...

O Reinaldo apedeuta alegou que o comentário era irônico e que com ele criticava a declaração de Sérgio Cabral Filho. Irônico o escambau, é cínico e perigoso vindo de quem vem. É um fato que foi implementado há alguns anos um programa de esterilização nas favelas cariocas, denunciado por organizações internacionais de direitos humanos. As mulheres eram convencidas por agentes de saúde a fazer a ligadura das trompas. A denúncia chegou a imprensa e logo depois, como sempre, o episódio foi abafado. O programa de imigração brasileiro privilegiou a chegada de alemães pomeranos na região sul e sudeste, para o embranquecimento da população, como comprovam documentos da época. Em Canudos ocorreu um massacre do povo pobre e mestiço, muitos eram índios. Com esses antecedentes, declarações desse tipo podem ser o estopim para qualquer tipo de arbitrariedade.

5:48 PM  
Blogger Seu Cuca said...

Pô, gente...

Quantas meninas das áreas mais pobres "dão" com quinze anos? Quanta gente tá fazendo gente nessa idade?

Rapaz... As meninas que têm dinheiro nos seus dezesseis, dezessete anos e engravidam, podem comprar seus Cytotecs - e COMPRAM.

Os namorados que têm alguma grana e cultura e precisam terminar o segundo grau, arrumam grana pra "tirar" rapidinho.

Eu também não comento isto de ouvir falar. Na minha família tem prima (eu tenho mais de 10) que "tirou" mais de três vezes. E em locais sujos, sem o mínimo apoio, pra voltar pra casa e sangrar sozinha. Aliás, depois da cirurgia "tem que ir embora logo", porque se a doida morrer, "não pega nada".

Pra quem não tem grana pra isso, pra quem vai perder os estudos (e com eles a chance de uma vida melhor), pra quem vai ser expulso de casa, até pra quem tem onde morar - mas um cubículo sem "emboço"... O aborto não é válido?

É incorreto dizer que é uma alternativa humana (até a 18a. semana não há sistema nervoso, mas a legislação brasileira limita à 13a.) e que poupa sofrimento?

Diante da necessidade, do sofrimento, da desesperança, da fome, quem não se rende ao crime ou ao que der na telha, parceiro? Ou é Deus quem escolhe os futuros criminosos?

É lógico que isto não resolve o problema da corrupção, e ele também depende de ações enérgicas, mas cada coisa no seu lugar...

Um abraço!

1:02 AM  
Blogger Sangue de Barata said...

A questão discutida não é da validade do aborto - que, sim é válida - mas da utilização do aborto como medida para conter a violência, instrumento de limpeza social. Como se a violência viesse apenas de baixo e a quantidade de filhos determinasse um aumento na violência - raciocínio preconceituoso e simplista.

8:59 AM  
Blogger Seu Cuca said...

OK!

Mas ainda que não venha APENAS de "baixo", não é fato que a alta fecundidade de mulheres em áreas miseráveis produz mais miseráveis?

E não é fato que miséria produz violência? Mais uma vez, não é a ausência de alternativas, esperança e justiça que leva muitas pessoas ao crime?

Ou seria um caso de predestinação?

Abraço.

11:07 AM  
Blogger Sangue de Barata said...

O problema está em misturar as coisas e usar querer usar o aborto como política de segurança pública. Ninguém está questionando o aborto em si, mas o uso que estão querendo fazer dele.

Sergio Cabral Filho disse que a Rocinha tem taxas de fertilidades africanas, enquanto elas equivalem à metade. Fez uma comentário preconceituoso, assumindo ao mesmo tempo a ineficácia do Estado e uma posição "eugenica".

Como disse o Elio Gaspari: quem acha q o problema da segurança está na barriga das faveladas deve pensar em mudar de planeta. A taxa dos morros do Rio é a mesma do mundo.

Ainda segundo Gaspari:
"Nos anos 70, muitos sábios sustentavam que o Brasil precisa baixar a fertilidade (5,8) para distribuir melhor a riqueza. Passou-se uma geração, a fertilidade caiu a um terço e o índice de Gini, que mede as desigualdades de renda, passou de 0,56 para 0,57, chegando ao padrão paraguaio. Nasceram menos brasileiros, mas não se reduziu o fosso social"

A miséria, a "ausência de alternativas" e um bocado de problemas levam à violência, é claro, isso não está se discutindo. O que está em questão é a associação simplista de que o aborto diminuiria a violência e os perigos que se escondem em tal proposta.

11:33 AM  
Blogger Wallace said...

Tico, seu blog no mínimo nos faz compreender melhor a sociologia (eugenia, p.ex.).
Concordo quando você critica o Cabral Filho "Se fosse assim já teríamos a solução para os problemas da corrupção no Brasil: mães ou esposas de corruptos deveriam abortar ou serem esterelizadas a fim de conter o mal". Simplificação não acrescenta, facilita a compreensão, no caso a visão pequena do Governador. Que aliás anda fazendo escola (vide James Watson: http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRB45445220071025 ) mas felizmente é colocada no seu devido lugar.
Concordo com o ponto de vista inteligente do De Castro que critica a verve do Reinaldo Azevedo, mas o texto dele pode ser lido, no mínimo, sob dus óticas. O leitor é parte do processo de comunicação (aliás, essa frase nem é minha) seja na (re)leitura ou na interpretação das entrelinhas.

8:09 PM  
Blogger Paulo Pepulim said...

Meu caro Sangue, infelizmente, é assim desde 1500. Políticos e pseudointelectuais sustentam suas idéias oligofrênicas com falácias e discursos tautológicos. Nosso governador quer implantar no Rio uma espécie de neofacismo, sustentado pela ridícula teoria Neomalthusiana.

Concordo plenamente com seus argumentos. O Brasil é viciado em modelos estrangeiros, abandonando completamente as características demográficas, sociais e econômicas de seu território.

A discussão sobre a pobreza e violência e seu impacto na sociedade ficou restrita a desenvolver ações assistencialistas e repressivas, afastando-se do âmago, educação e saúde.

Vou ficando por aqui, pois você já meteu bronca com seu texto!

Forte abraço

Paulo Pepulim

2:42 PM  
Blogger Seu Cuca said...

Cara,

só como informação (já que você usou a foto), o Diogo Mainardi concorda com você sobre as declarações do Sérgio Cabral =)

Abraço!

2:35 AM  
Blogger Zaira Brilhante said...

Thiago parabens pelo artigo... eh de uma lucidez invejavel... agora me diz, o que fazemos diante desses fatos (ou dessas falas)??? Pq cansei de falar, falar, escrever escrever... queria poder agir, mas sinto uma incapacidade absurda quando penso que nao sei por onde comecar... As pessoas nao tem o habito da leitura... e nao entendem...
Como transformar uma sociedade (que elege e da espaco para essas amebas) sem educacao??? Com um indice de analfabetismo funcional gigantesco que, no entanto, ninguem divulga???
Bem, no momento a unica coisa que tenho a oferecer eh mais um espaco na Re-vista! pra esse texto... ;) querendo eh so dar um ok! bjsss

11:13 AM  

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