sábado, setembro 22, 2007

A turma do Capitão Gancho

Começou o mais aguardado festival de cinema da cidade. De 20 de setembro a 4 de outubro, o Festival do Rio 2007 traz centenas de filmes de várias partes do mundo, para todos os gostos. Mas além de filmes, o festival deste ano traz ao público a discussão do momento: a pirataria.

Para a abertura do festival, foi exibido o polêmico Tropa de Elite, que aborda a problemática situação em que se encontra a Polícia Militar carioca, em especial a divisão do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), cujo grito de guerra “entrar na favela e deixar corpo no chão” não deixa dúvidas da eficácia da corporação quando o assunto é matar.

Inspirado no livro Elite da Tropa (de Luís Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel), o filme já era notícia antes mesmo de sua estréia no festival, quando vazou na Internet e começou a ser vendido pelos camelôs da cidade. Foi aí então que o diretor José Padilha – o mesmo de Ônibus 174 – começou a chamar atenção com suas declarações condenando a “indústria da pirataria”, que, ironicamente, muito o ajudou com todo esse sucesso.

Como ressalta o Blog do Zé Pereira, José Padilha deveria brigar para que todo cidadão pudesse ter acesso ao seu filme, uma vez que este foi beneficiado pela política cultural de incentivo fiscal, ao invés de sair por aí querendo mais repressão a quem vende as cópias.

Se há uma demanda por um preço mais acessível a quem não pode consumir cultura (ir ao cinema, teatro, etc.) e por isso compra o “CD pirata”, da mesma maneira há uma demanda a quem precisa trabalhar vendendo os “maléficos” CDs, pois não há muitas opções de trabalho. Criminalizar a venda ou culpabilizar a compra, por si só, não encerra a questão.

Ignorar isso é ignorar a sociedade brasileira: o mercado informal existe, seja ele legal ou ilegal. E, se do ponto de vista jurídico não acham certo que outras pessoas “se apropriem” da obra de um artista para ganhar dinheiro, do ponto de vista social não é certo que apenas uma parcela da população se aproprie da cultura produzida com o dinheiro de todos.

De qualquer forma, o filme providencialmente cumpre o seu papel de atacar a pirataria e culpar quem consome a chamada ilegalidade, simplificando assim ainda mais a problemática das drogas e da corrupção, disfarçado sob o mesmo apelo social de filmes como Cidade de Deus.

Foi dado início à temporada de caça aos piratas e fica em aberto a discussão sobre a produção de cultura feita com o dinheiro público mas destinada a um seleto público: aqueles que podem se dar ao luxo de ter esta discussão da mesma forma que podem comprar a pipoca e o ingresso do cinema.

Thiago Mattos.

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10 Comments:

Blogger Carlos de Castro said...

O estranho nessa polêmica é que o filme vazou por intermédio de pessoas da produção e atores do filme. Antes do vazamento, pessoas da equipe teriam sido "seqüestradas" por traficantes e armas cenográficas "roubadas".O diretor José Padilha, segundo suas próprias palavras, foi assessorado por traficantes que ensinaram inclusive o "modo certo de queimar cadáveres".Um cara tão íntimo, não teria produção seqüestrada coisa nenhuma. O filme já estava sendo badalado antes mesmo da produção concluída. Para completar, o filme é distribuído pela Paramount Pictures, conta com um elenco de atores contratados da Rede Globo, e está servindo de mote para a Rede Globo, que patrocinou o filme, fazer uma imensa campanha anti-pirataria.

6:56 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Na mosca, acertou em cheio!

A campanha anti-pirataria, que outrora concentrava-se na venda de cds piratas, agora também se extende aos dvds piratas (benditos sejam os torrents!) e é patrocinada pelas mesmas grandes corporacoes.

Há que se diferenciar quantos tipos diferentes de pirataria existem (se existem) e quais as reais consequências dela.

No fundo, parece que quem mais se beneficia com a pirataria sao as grandes corporacoes e gravadoras, que ganham sempre explorando o "artista" e criminalizando os tais piratas (aliás, quem sao eles?)

É ou nao é?

7:43 PM  
Blogger Seu Cuca said...

Ah, meu deus do céu...

Eu gostei bastante do filme. A ponto de ler a "Tudo de Bom" (pra quem é culto, a revista semanal do jornal O Dia) que falava sobre ele.
Em momento algum o diretor deixou de mencionar que suas restrições à pirataria se deviam ao fato de que ela também é uma fonte de renda do crime organizado. De modo geral, ele afirmou compreender os "benefícios" da pirataria ao seu trabalho.
Feliz é o Zé Rodrix (de "Sá, Rodrix e Guarabyra", lembra?), que diz que "se tem dinheiro público, estou fora".
A pirataria, que somada a outros crimes digitais completa uma rede ilegal que já fatura mais que o comércio de drogas, tem que ser combatida, SIM.
E essa idéia estúpida de financiar o enriquecimento de "aventureiros culturais" com meus impostos TAMBÉM tem que ser combatida, até para evitar essa presunção de que "a propriedade intelectual é do povo".
Vocês já ouviram falar no Guilherme Fontes, queridos?

Ps. Por precaução, não tenho notícia de que o supracitado autor tenha sido efetivamente condenado pela suposta malversação de recursos.

12:39 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Bem, do Zé Rodrix não só lembro como deixei um link do blog onde está a carta onde ele afirma isso de que não gosta da relação entre verba pública e produçõ cultural.

Quanto ao monstro da pirataria (assim como o tráfico de drogas e outras mazelas sociais), minha principal tese é de que não adiantar combatê-la sem combater antes outras questões como o analfabetismo, a péssima qualidade da nossa educacao, a falta de oportunidades, empregos e perspectivas, o baixo salário e tanta outras coisas que dão à pirataria todo esse sucesso.

É claro que os camelôs (assim como os traficantes) são apenas a ponta de um grande iceberg, mas enquanto houver demanda e esse cenário atraente a quem precisa sobreviver e nao tem como, nao adianta apenas querer acabar com a pirataria como se este fosse algo isolada do mundo, como se nao existisse a China e o Paraguai.

É preciso ver que além da árvore há toda uma imensa floresta.

1:31 PM  
Blogger Carlos de Castro said...

E na floresta estão plantadas empreiteiras,concessionárias de automóveis, financeiras e bancos para a lavagem de dinheiro como na Miami dos anos 80. Quem disse que os camelôs não são laranjas das grandes corporações?

2:33 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Nesta 2a (24/9), até o Guardian pegou o gancho do Tropa de Elite e caiu no mesmo lugar comum de errar onde é a capital, do Brasil - pelo menos nao dizem mais que é em BsAs =P

O Brasil, no fim das contas, ainda é visto como um lugar tao remoto e exótico como qualquer república das bananas.

Pra quem quiser conferir a reportagem do site inglês:

http://film.guardian.co.uk/news/story/0,,2175599,00.html

8:00 PM  
Blogger Carlos Eduardo da Maia said...

Outro dia estava em Brasilia, num bar de classe média alta e um pessoal entrou com uma cesta grande cheia de dvd pirata. Nunca tinha visto isso em Porto Alegre, nos bares classe média... A moda tá pegando....

9:07 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Artigo de Wagner Moura, publicado em 25/9 em O GLOBO:

Escrevo instigado pelo bom texto do Arnaldo Bloch sobre a sessão de estréia de "Tropa de elite" . E respondo categórico à sua pergunta: Não, "Tropa de elite" não é fascista. Não é possível que alguém que tenha visto "Ônibus 174", um dos filmes mais humanistas dos últimos tempos, possa achar que o Zé Padilha (o diretor) tenha feito um filme fascista. Mas também fico preocupado quando vejo o capitão Nascimento ser tratado como herói. Fico pensando como reagiria ao filme uma platéia sueca. Não creio que pensariam naqueles policiais torturadores como heróis, assim como muita gente que vê o filme aqui também não pensa. Talvez os suecos não precisem de heróis. Talvez, aí sim uma tragédia, fascistas estejamos nos tornando nós, brasileiros, cidadãos carentes de uma política de segurança pública qualquer, que vemos naqueles policiais honestos, bem treinados, mas desrespeitadores dos direitos humanos mais elementares, a solução para o caos em que estamos metidos. Compartilhei contigo, Arnaldo, a vontade de vomitar o pastel de cordeiro no Odeon. Mas, na minha opinião, "Tropa de elite" contribui com o mais importante em épocas de crise: o debate (inimigo do fascismo). O filme traz um ponto de vista fundamental para se entender e discutir segurança pública, o olhar do policial. Eu, particularmente, discordo do capitão Nascimento em quase tudo, mas não posso deixar de ver a importância de entender seu pensamento como fundamental para o debate sobre violência no Brasil, já que é ele, assim como os traficantes e os moradores de favela, quem vive diretamente essa guerra particular, como nos ensinou, não por acaso, o capitão Rodrigo Pimentel, roteirista do "Tropa de elite", no seminal "Notícias de uma guerra particular", de João Moreira Salles.

Leia mais: Filme estréia em Jundiaí sem alarde para concorrer ao Oscar

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Acho que o "Tropa", além dos méritos artísticos que tem, talvez já seja o filme pós-retomada que mais suscitou debates, a começar pela questão da pirataria, exaustivamente discutida. E não vejo, no Brasil de hoje, debate mais importante do que violência e segurança pública. Segurança pública não tem mais a ver só com a tragédia das vidas que se vão por conta da guerra polícia-tráfico-com-moradores-no-meio. Tem a ver, por exemplo, com aumento de verbas para a Previdência e para a Saúde. E, quando falo de violência urbana, quero lembrar que se para nós, moradores da Zona Sul, maioria na sessão do Odeon, a chapa já tá quente há muito tempo, imaginem para quem não pode sair de sua casa por ordem de um traficante, quem tem que passar a noite no chão com medo de bala perdida, quem é esculachado e desrespeitado pela polícia, quem não pode falar com o parente da comunidade vizinha por ordem do poder oficial, ocupante do vácuo deixado pelo poder instituído que, por sua vez, vem historicamente negligenciando essas pessoas. Isso é um fato: as maiores vítimas da violência urbana no Brasil são os moradores das favelas, e o filme mostra isso. Estou convicto: não há armas mais poderosas de combate à violência do que educação, cultura, lazer, esporte, bem-estar social e geração de emprego. É assim que o capitão Storani, oficial do Bope reformado que nos auxiliou no treinamento para o filme, tem tentado combater a violência em sua gestão como secretário de Segurança num município da Baixada. E, mais uma vez, recorro ao capitão Pimentel, na maravilhosa entrevista a João Moreira: "Enquanto o único braço do poder público que sobe a favela for a polícia, não haverá solução."

Pimentel foi também o primeiro policial que eu vi defender a legalização do consumo de drogas, que o Arnaldo reclamou não constar nos debates do núcleo PUC do filme, onde o Zé Padilha estudou. E acho que já passou da hora mesmo de discutir esse assunto com honestidade. Capitão Nascimento põe sua vida em risco todos os dias para lutar uma guerra inútil contra o tráfico e responsabiliza os consumidores pela sua tragédia pessoal. Essa tem sido inclusive uma bandeira defendida por órgãos oficiais de combate às drogas. É lógico que há uma responsabilidade individual nisso, e eu conheço muita gente que deixou de fumar maconha para não alimentar o tráfico. Mas não creio que essa campanha seja mais eficaz do que a legalização do consumo. O uso de drogas existe desde que o mundo é mundo e não vai ser a repressão que vai acabar com o consumo. Mas a legalização pode acabar com o tráfico. Eu vejo o consumidor como o elo mais fraco da cadeia. Combatê-lo é contraproducente. O abuso e o vício devem ser tratados como problemas de saúde pública. O tráfico é que é questão de segurança pública. É o tráfico que arrasta os jovens de periferia para a morte e tenho certeza de que morre muito mais gente na guerra do tráfico do que de overdose. De que forma fazer, eu não sei, mas acho que já passou mesmo da hora de discutir o que me parece óbvio e acredito que o filme contribui com isso. Só mais um dado: sabe de quem partiu a idéia de legalizar as drogas na Holanda? Da polícia, parceiro.

12:15 PM  
Blogger Anne said...

GOSTEI DE TUDO!
Do filme e do que escreveu.
Pena que venho pouco aqui....
Nunca pare...
Bj, Anne

1:20 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

'Tropa de elite' se confirma como blockbuster nacional com 700 mil espectadores em 10 dias

Plantão | Publicada em 16/10/2007 às 10h37m
O Globo Online

RIO - Depois do lançamento limitado nos estados de Rio e São Paulo, "Tropa de elite" estreou no resto do país mais que dobrando o número de espectadores. O longa já acumula 700 mil pessoas em dez dias de exibição, tornando-se a terceira produção nacional mais vista de 2007. Fica atrás apenas de "A grande família - O filme" (2,02 milhões em público) e "Primo Basílio" (com 790 mil). Até sexta-feira, "Tropa" chegará facilmente à segunda posição do ranking nacional do ano, e pelos resultados deverá ultrapassar facilmente os estimados 2,5 milhões de espectadores, conforme cálculos do produtor Marcos Prado.

12:57 PM  

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