Existe uma sutil diferença entre racismo nos EUA e o no Brasil: lá eles encaram o problema de frente, discutem-no e, conseqüentemente, os direitos dos negros são mais resguardados. O recente episódio Don Imus (onde um conceituado apresentador de rádio da CBS fez um comentário racista sobre um time universitário de basquete feminino, sendo execrado e boicotado por toda aquela sociedade) mostrou bem isso.Aqui no Brasil, não há racistas – ninguém admite o contrário – e fica a (falsa) impressão de que, portanto, não há racismo no Brasil. Ledo engano. O Brasil é o país mais racista do mundo e a insistência amplamente divulgada de que nesta terra não há racismo é cada vez mais preocupante. Atua a favor desse horrendo ideal de igualdade para os desiguais a mídia corporativista, que precisa vender seus produtos e arrebanhar mais consumidores.
Dando início ao debate sobre o tema, publico aqui um texto do Veríssimo que saiu n’O Globo, no dia 1 de abril deste ano. Mesmo para quem já o leu, vale a pena ler de novo.
Thiago Mattos.
RACISMOS
(Luiz Fernando Veríssimo)
Preconceito racial e discriminação racial são coisas diferentes.
O preconceito é um sentimento, fruto de condicionamento cultural ou de uma deformação mental, mas sempre uma coisa pessoal, quase sempre incorrigível. Não se legisla sobre sentimentos, não se muda um hábito de pensamento ou uma convicção herdada por decreto.
Já a discriminação racial é o preconceito determinando atitudes, políticas, oportunidades e direitos, o convívio social e o econômico. Não se pode coagir ninguém a gostar de quem não gosta, mas qualquer sociedade democrática, para não desmentir o nome, deve combater a discriminação por todos os meios – inclusive a coação.
Não concordo com quem diz que uma política de cotas para negros no estudo superior é discriminação ao contrário, ou uma forma de paternalismo condescendente tão aviltante quanto a discriminação.
É coação, certo, mas para tentar corrigir um dos desequilíbrios que persistem na sociedade brasileira, o que reflete na educação a desigualdade de oportunidades de brancos e negros em todos os setores, mal disfarçada pela velha conversa da harmonia racial tão nossa. As cotas seriam irrealistas? Melhor igualdade artificial do que igualdade nenhuma.
Agora mesmo caíram em cima de quem disse – numa frase obviamente arrancada do contexto – que racismo de negro contra branco é justificável.
Nenhum racismo é justificável, mas o ressentimento dos negros é. Construiu-se durante todos os anos em que a última nação do mundo a acabar com a escravatura continuou na prática o que tinha abolido no papel. Não se esperava que o preconceito acabasse com o decreto da abolição, mas mais de 100 anos deveriam ter sido mais que suficientes para que a discriminação diminuísse.
Não diminuiu.
Igualar racismo de negro com racismo de branco não resiste a um teste elementar. O negro pode dizer – distinguindo com nitidez preconceito de discriminação – “Não precisa me amar, só me dê meus direitos”. Qual a frase mais próxima disso que um branco poderia dizer, sem provocar risos? “Não precisa me amar, só tenha paciência” “Me ame, apesar de tudo”? Pouco convincente.
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