Pinochet ainda estava ali
As prisões, torturas e mortes foram alguns de seus crimes de violação aos Direitos Humanos; mais tarde se descobriu também o que estava por trás do “progresso econômico” chileno, que muitos economistas ainda hoje elogiam pelas privatizações e abertura ao capital estrangeiro. Seu enriquecimento ilícito e envolvimento em corrupção nos ajudam a entender sua emblemática frase dita após sair do poder: “Nenhuma folha se move no Chile sem que eu a mova”. E, realmente, parecia ser assim mesmo anos depois.
Estive no Chile há um ano atrás e, mesmo depois de Pinochet e antes de Bachelet, senti uma atmosfera pesada em Santiago. Não sabia exatamente se eram os carabineros – polícia chilena – vestidos como oficiais da SS nazista e me assustando; se era a população andando de cabeça baixa, sequelada pela dor de uma ditadura que parecia ainda existir; ou se era simplesmente o melancólico frio andino. Mas havia algo sombrio no ar que a bela vista da Cordilheira dos Andes não podia esconder.
Senti, de uma forma mais séria que sinto no Brasil, as marcas impressas no povo que sofreu com uma ditadura de quase duas décadas e que parecia viver numa repressão calada e de forma consciente disso. Participei de congressos organizados por vítimas e parentes de vítimas da ditadura. Vi como eram organizados os protestos nas ruas geladas da capital. Vivi a vida de um chileno que sai de noite para jogar xadrez nas praças. Mesmo anos depois, parecia que Pinochet ainda estava ali. E, na verdade, estava mesmo ali, movendo as folhas.
Espantosamente, muitos simpatizantes ainda foram levar flores e chorar a morte do homem que deu um mau exemplo não somente à América Latina, mas ao mundo. Fica agora a esperança de que a História faça justiça e o lamento de que a morte de Pinochet tenha evitado sua condenação pelos inúmeros crimes de violações aos Direitos Humanos. Direitos estes que ainda passam pelas bocas dos homens de forma sarcástica, chamando de “direito para bandido”, esquecendo o que já foi cometido antes de sua Declaração Universal, e mesmo depois dela. E o quanto custou para que esses Direitos fossem reconhecidos e o quanto ainda os custa guardar.
Thiago Mattos.
Marcadores: américa latina, chile, direitos humanos, ditadura, nazismo
3 Comments:
Belíssimo texto meu caro amigo!
Mais uma vez, assino suas declarações.
Pena que ainda existam pessoas que choram pela morte de um carniceiro como Pinochet...
No entanto, acredito que estamso aqui pra mudar isso, pra lutar contra toda essa opressão, seja ela militar ou financeira. Ou ainda, lutar contra essa herança maldita que ainda hoje pesa sobre as cabeças de milhões de chilenos e latinoamericanos...
Um grande abraço
Esse tal desse destino prega cada peça! Coincidência ou não, o General-Ditador morreu logo no dia das comemorações dos Direitos Humanos. Dá a impressão de que os tais direitos venceram a batalha contra o verdadeiro terror.
Acho que nenhuma batalha foi vencida com a morte do Pinochet não: eu pessoalmente fiquei decepcionada por essa saída de cena dele, sem ter pago por todos os horrores que foram responsabilidade dele em décadas de ditadura. Tudo isso é pura ironia, e ainda é incrivel como as únicas ações judiciárias ocorridas que foram contra ele pelas inúmeras violações dos direitos humanos foram estabelecidas por tribunais da Europa o da América do Norte: no Chile o Pinochet so ia ser julgado por corrupção e provavelmente nunca ia pagar pela morte e pelo sufrimento de centenas de inocentes. Essa é uma clara demonstração do fato que os povos latinoamericanos ainda precisam tomar conciência da necessidade de tomar finalmente posse dos seus próprios destinos, aprendendo a tomar as suas proprias decisões.
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