quarta-feira, outubro 08, 2008

Elogio do perdão

Se há um dia santo que eu goste é o Yom Kippur.

Apesar de passar praticamente despercebido no Brasil (país de orientação essencialmente católica), O Yom Kippur parece realmente ter um sentido nobre: é o dia do perdão. E atualmente, com o mundo doente como está, o perdão merece ser debatido e o dia vale ser lembrado.

Na verdade, não me faz muito sentido dia de São isso e Santo aquilo - se bem que fazia o de São Cosme e São Damião quando eu era pequeno e gostava de doces - mas os feriados religiosos perderam toda a sua essência com o passar das décadas. Ainda mais aqui no Brasil, um país com tantos feriados que a gente nem dá conta de saber qual é qual.

E olha que ainda estão querendo ter mais um dia santo em homenagem a Frei Galvão, o primeiro santo com site do mundo! A única pergunta que vem é: o que mais precisam inventar para venderem?

Pensem só: Natal virou a festa dos presentes que você tem que dar (ai de você se não comprar um agrado!): é a festa do comércio! A Semana Santa resume-se ao Domingo de Páscoa para enchermos a pança de chocolate, tem para todos os bolsos: é a festa do comércio!

Corpus Christi geralmente se emenda e é um dos feriados preferidos da galera da pegação que está mais para o "Corpus" do que para o "Christi" em seus carnavais fora de época. Conclusão: o pessoal do turismo fatura uma bába e quem faz a festa? É a festa do comércio! Dia de Nossa Senhora Aparecida é basicamente conhecida como Dia das Crianças, e o que é o que é? É a festa do comércio! E por aí vai...

É muito dia santo para um país laico só.

Mas aí chega o Yom Kippur sem pedir licença a ninguém, impõe ao fiel um jejum do nascer ao pôr do sol que dura dias, muita reflexão e oração e não se fala mais nisso. O dia do perdão pretende fazer com que se preste atenção à alma e não ao corpo. E, é lógico, não há judeu que aguente.

Sabe o que penso disso tudo? Que o Yom Kippur mostra que é muito difícil perdoar, não é para qualquer um. Tem que aguentar, renunciar, sofrer e tornar-se praticamente supra-humano.

A prática do Yom Kippur parece a melhor metáfora para o perdão. E numa era onde o perdão virou moeda de troca, ganhou valor de uso e instrumento de dominação, perdoar e ser perdoado pode deixar toda a nobreza do gesto de lado e tornar-se apenas um exercício de poder.

Perdoar é algo que definitivamente não pode ser festejado pelo comércio.

Thiago Mattos.

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6 Comments:

Blogger Carlos de Castro said...

Feliz Ano Novo, Shaná Tová, Shalom

10:40 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Oxalá!

10:54 PM  
Anonymous Anônimo said...

Muito bom esse texto. A sentença sobre o frei Galvão é ótima. Adoro esse senso crítico da sua escrita, parabéns !!!

12:57 AM  
Anonymous Anônimo said...

Deixe-me discordar completamente... A religião (pelo menos as que nós temos majoritariamenta aqui no ocidente) se baseia exatamente no medo, nesse conceito de se achar que sempre se está em dívida com alguma coisa pra controlar a vontade das pessoas. De todas as guerras e conflitos hoje me dia, quantos são por causa da religião????

10:13 PM  
Blogger Sangue de Barata said...

Muitas sao por causa da religiao, mas nao e' esse o ponto. A ideia era simplesmente questionar o perdao como instrumento de dominacao e aproveitar para pensar a grande quantidade de feriados religiosos num Estado laico.

8:41 AM  
Blogger Wallace said...

Renato Russo dizia com sabedoria que "compaixão é fortaleza/ter bondade é ter coragem" invertendo o senso comum com grande profundidade e inteligência. O perdão entra nesse contexto.

12:59 AM  

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